GERAL

Audiência Pública sobre os direitos das crianças com autismo rende mais de 4h de debates

Foto Mara Steffens/O Correspondente

 

O Poder Legislativo de Carazinho realizou na noite desta quinta-feira (13) uma audiência pública para debater os direitos das crianças com autismo em Carazinho. Fizeram parte da mesa de trabalhos, além da presidente Janete Ross de Oliveira, a secretária da Saúde, Anelise Almeida, a Promotora da Infância e da Juventude, Adriana Costa, a defensora pública, Daniele da Costa Lima, a psicóloga  e pedagoga Beatriz Ambrós, e Sônia do Rosário, representante das mães de autistas e uma das líderes do Grupo Esperança Azul.

 

Aliás, o grupo que começou com 19 mães foi criado para que as mães pudessem se apoiar. Emocionada na primeira participação, Sônia comentou sobre as dificuldades que enfrentam. "Quando você engravida, você imagina, será que meu filho vai gostar de ler, de música? Quando será que ele vai falar mamãe? Nós não temos isso. E dói. Sò nós sabemos o quanto doi ver apresentação de crianças e pensa 'o meu um dia vai fazer?'. No fundo a gente sabe a resposta, mas temos esperança", citou. 

 

Ela também comentou sobre o preconceito que as crianças com TEA sofrem. "Tu tem esperança que um dia quando você estiver no supermercado e o teu filho entrar em crise, por um motivo ou outro, as pessoas não fiquem olhando torto, pensando 'nossa, se fosse meu filho', ou 'isso é falta de laço', 'hoje em dia tudo é autista, virou modinha'. Isso a gente ouve bastante", salientou. 

 

Mãe de quatro filhos, dois deles com diagnóstico de TEA e a mais nova, com três sob investigação, Sônia comentou ainda sobre a necessidade de ainda se ter que lutar por inclusão. "É estranho você pedir para terem que respeitar. É algo que está se perdendo. Antigamente se ensinava o respeito, e hoje em dia ter que pedir para respeitar o teu filho porque ele se comporta de maneira diferente, para não rirem quando ele entra em crise, para não fazem bulling. É uma coisa que eu não faria, mas infelizmente acontece e não é pouco", apontou. 

 

A defensora pública, Daniele da Costa Lima, relatou que já encaminhou à SMEC ofício com vários questionamentos relacionados à alunos atípicos e a realidade nas escolas e que o prazo para a resposta é de 10 dias. "A depender da resposta deste ofício traçaremos um plano de atuação porque já estamos atuando individualmente. Quando uma família nos procura, nós atuamos, mas quando é em grupo, de forma coletiva, a solução é mais rápida", disse.

 

Além disso, ela destacou que é importante repassar as informações às pessoas. "Quando não sabemos os direitos que temos, não sabemos por onde começar. E este grupo formado em Carazinho é potente, porque quando estamos juntos, falamos em nome de várias famílias, ganhamos força e somos ouvidos", destacou, lembrando que o público do encontro é bem mais numeroso que aquele em que marcou presença no debate sobre a segurança pública, há uma semana. "Isso representa o que deve ser configurado a partir da nossa Constituição que é resguardar om máxima prioridade os direitos das crianças e dos adolescentes em nossa sociedade. Isso representa que nós, carazinhenses, estamos atentos a este direito prioritário que é o direito das nossas crianças e adolescentes com TEA. Estamos vigilante e juntos nessa", colocou. 

 

União de esforços 

A Promotora de Justiça da Infância e da Juventude, Adriana Costa, elogiou as mães que se mobilizam pelos direitos dos filhos e os pais que sao presentes, mas destacou que os demais familiares, inclusive os pais ausentes devem se engajar também. Reconheceu que é desafiador para as famílias acompanhar as leis voltadas ao tema, mesmo para ela que é promotora e seguidamente precisa retomar conceitos. "Este evento tem mais objetivo de colhermos (informações) do que falarmos, para pensamos na política de atendimento, além de ser um importante forma de controle social da política pública.Todas as políticas intersetoriais tem o viés de participação da comunidade porque não é somente o poder público sozinho que tem o dever de garantir os direitos. A família e a sociedade também. Isto está no artigo 227 da Constituição da República. Quem bom que podemos estar todos juntos nesta missão", citou. 

 

Sobre a atuação do MP, Adriana orientou que a atuação atua de forma pontual, quando é procurada, ms também de forma coletiva. Segundo ela, nas reuniões periódicas que ocorrem com a rede de proteção existe já há um bom tempo a preocupação com o fluxo de atendimento das crianças e adolescentes com TEA. "Temos a necessidade de que as pessoas saibam quem procurar e para que finalidade. As crianças precisam ser atendidas nas esferas da saúde, da assistência e da educação e estas três esferas precisam conversar entre si. Por isso estamos pensando em um fluxo para que se tenha um ponto focal, que hoje tem sido centrado mais na educação e a partir dali para que os órgãos conversem entre si e vocês não precisem ir até cada um deles com um papelzinho de agendamento, sem entender a engrenagem. Eu percebo que isso angustia as famílias", salientou. 

 

A promotora relatou também que existe um procedimento instaurado na promotoria para cobrar uma melhor estrutura no CAPSI. Foi identificada a necessidade da contratação de um psiquiatra, cujo chamamento foi viabilizado mas não houve interessados. A demanda está sendo atendido por profissional da neurologia credenciado pelo município, pois esta possibilidade é permitida pela normativa técnica. Quando há a necessidade específica de psicquiatra, ocorre a contratação de consulta na rede particular. 

 

A secretária da Saúde, Anelise Almeida, lembrou que o diagnístico de TEA é feito por uma equipe multidisciplinar e não apenas por um único profisisonal. A porta de entrada para a assistência em saúde é a unidade básica do bairro e quando se indentifica a necessidade de atendimento especializado, isso será feito. "Que possamos unir forças, entender mais sobre TEA, para fazer a diferença, se capacitando. As mães, até os profissionais tem dificuldades. Nesta situação de capacitação o Estado tem o Te Acolhe, com 30 centros regionais. O nosso é em Passo Fundo. O objetivo é capacitar as equipes e elas têm tido oportunidade, ainda não de forma adequada, precisamos de mais, mas é preciso que se olhe para a demanda de TEA vem aumentando", colocou. 

 

Ela lembrou da iniciativa do "Cordão de Girassol", lei municipal que identifica pessoas com TEA e outros transtornos tem contrubuído para a diminuição do preconceito para com este público e o entendimento da população quanto à empatia. 

 

Projeto de lei 

A presidente do Legislativo, Janete Ross de Oliveira, que as demandas apresentadas na audiência serão encaminhadas. "Sozinhos não conseguimos quase nada, mas quando nos unimos vamos longe. Precisamos buscar políticas públicas efetivas. Ações isoladas não ganham corpo, não ganham força", colocou, citando um projeto que irá para apreciação na Câmara que suntitui os sinais sonoros dos estabelecimentos de ensino público municipal a fim de evitar incômodo sensoriais aos estudantes com TEA. Outra iniciativa é a instituição da Semana de Conscientização sobre o Autismo. 

 

Uso da tribuna

O plenário esteve praticamente lotado. Os vereadores Daniel Weber, Alcindo de Quadros, Vanderlei Lopes, Fábio Zanetti e Bruno Berté marcaram presença e se pronunciaram. Outras treze pessoas se inscreveram para se manifestar e apresentaram diferentes problemáticas relacionadas ao tema, especialmente nas área da saúde e da educação.

 

Conforme os questionamentos iam sendo feitos, as participantes da mesa procuravam respondê-las. Uma das questões que foram levantadas foi a falta de monitores especializados nas escolas, direito assegurado por lei. Sônia do Rosário voltou a usar a tribuna para contar um pouco mais sobre um dos filhos que tem TEA e que precisa de atendimento especializado em sala de aula, para além do auxilio com higiene e alimentação. Ela aguarda a disponibilidade de um profisisonal para isso para que o menino possa ir para a escola. "Este é o ponto mais alto da dificuldade da inclusão nas escolas", comentou.

 

Simone Antunes, mãe de um adolescente de 16 anos com TEA citou que existe necessidade de uma escola especializada. Conversou pessoalmente com o prefeito sobre esta demanda. Segundo ela, em 2012 foi fundada a AMA e que lutou para que fosse implementada uma escola e a vinda do Projeto Te Acolhe. Lamentou a discriminação que as pessoas com autismo sofrem, assim como suas famílias. Declarou que existe dificuldade em conseguir atendimento especializado em Carazinho. Por um período pagou atendimento particular, mas que não tem mais condições de arcar. "Porque o acesso é tão difícil? Cansei de fazer orçamento de 3 em 3 meses e chegar na farmácia e não ter o medicamento", salientou, relatando que acionou o SAMU recentemente e não obteve atendimento para o filho. 

 

A professora Gabriela Serafim contou sobre sua experiência e relatou ter três alunos com TEA e não conta com monitores para lhe auxiliar na sala de aula de uma turma de 3 anos. Disse que sabe de outros casos de colegas, que atuam em outras escolas. Sobre a oferta de monitor para atender questões de higiene, locomoção e alimentação, a promotora de Justiça Adriana Costa citou que a lei realmente refere estas como as prioridades do profissional, no entanto, a lei estadual específica sobre TEA refere que "o profissional é capacitado na interação e no manejo comportamental do aluno com TEA, que atue de forma articulada com os professores da sala de aula comum e da sala de recursos multifuncionais, em todo contexto escolar, inclusive facilitando sua socialização com os demais colegas e em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessarias". Segundo ela, há divergências na interpretação da lei, inclusive dentro do próprio MP, mas com comprovada necessidade, tem-se ajuizado ações para garantir o apoio à criança em todas as atividades e a Justiça tem concedido. 

 

Contatada pela nossa reportagem, a secretaria de Educação, Sandra Denise Bandeira Guerra, disse que foi convidada para a audiência na tarde de quinta-feira, quando já tinha agendado outros compromissos para o horário. Disse que a realidade nas escolas não é bem como externada na tribuna e que não deseja comentar o assunto. 

Data: 14/04/2023 - 11:00

Fonte: Mara Steffens

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