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De criança para criança: estudantes de Carazinho escrevem cartas para crianças atingidas pela enchente

Fotos Divulgação/Arquivo Pessoal

 

Estender a mão ao próximo. Prestar solidariedade. Doar o que se tem, inclusive amor. Estas práticas nunca foram tão comuns no Rio Grande do Sul, desde as enchentes que destruíram 467 dos 497 municípios gaúchos. São 581 mil pessoas desalojadas e mais de 68 mil desabrigados. Mais de 82 mil pessoas foram resgatadas para abrigos, sem falar nas 162 mortes, 806 feridos e nos ainda 75 desaparecidos. 

 

Além das perdas materiais, que levarão tempo para serem recuperadas, os prejuízos emocionais também são relevantes. Como encontrar forças para retomar a vida? Se é um momento difícil para os adultos, pensar que as crianças estão tendo que lidar com tanto sofrimento é desolador. Assim, cada pequeno gesto pode significar muito. 

 

Pensando em oferecer um pouco de alento para quem precisa, estudantes de uma escola de Carazinho fizeram um verdadeiro exercício de empatia e o resultado foram cartas carregadas de amor para crianças que foram atingidas pelas cheias. 

 

A iniciativa da professora Leidi Locatelli, da EMEF Pedro Pasqualotto, ocorreria somente com o nono ano. Lecionando matemática, ela decidiu que alguns minutos da sua aula com cálculos e resolução de problemas deveriam ser dedicados para pensar no próximo. "A princípio era para ser somente com o 9º ano, turma da qual sou regente. Fizemos um momento de sensibilização sobre o que está acontecendo, sobre o que as pessoas estavam passando. Contei uma história que chegou até mim, de uma amiga que esteve em Roca Salles e que me impressionou muito. Ela disse que uma criança chegou até ela pedindo bolachas pois estava com fome. ELa havia levado outras comidas, mas ela não havia levado. Disse que compraria, mas se deu conta de que não tinha onde comprar. Então refletimos na sala sobre isso. Que as pessoas estavam recebendo alimentos para café da manhã, almoço e jantar, mas que as crianças comem ao longo do dia, outras coisas", relata a professora. 

 

O debate com o 9º ano chegou ao fato de que as crianças perderam tudo, brinquedos, material escolar, a cama para dormir, até o aconchego da casa. "Então solicitei que eles pensassem o que eles enquanto crianças poderiam fazer por outras crianças, para aconhegar estas que perderam tudo. Cogitamos de doar doce e chegamos a conclusão de cada um doar um barra de chocolate, mas achamos importante fazer uma carta para que elas soubessem que tem alguém que está pensando e se importando com elas mesmo longe", conta Leidi. 

 

A atividade foi tão proveitosa que a professora solicitou à direção da escola para poder realizar com as demais turmas em que ensina matemática. "Não imaginei que teria uma proporção tão grande. Teve alunos que trouxeram mais de uma barra de chocolate. Eles ficaram realmente tocados com a situação. Foi possível perceber a empatia neles", sublinha. 

 

O resultado foi a arrecadação de quase 200 barras de chocolate e cartas com o envolvimento de todas as turmas da escola. As cartas que levarão alento serão encaminhadas, a princípio, para Roca Salles, através de amigos da professora que estão indo seguidamente até lá ajudando na reconstrução da cidade. 

 

Para a professora, a escola é uma extensão da própria casa, afinal de contas, passa mais tempo com os alunos do que com os familiares. Ela considera que a afetividade é algo priomordial nesta relação. "É algo muito meu. Sou uma pessoa com meus alunos e quando ensinamos com amor, carinho e respeito, dando a atenção devida, eles aprendem mais, principalmente a matemática, que é vista como 'bicho-papão'. É uma disciplina que exige bastante, mas não significa que não possamos fazer uma ação social para que eles percebam que a educação é um todo", analisa. 

 

Atividade como a sugerida pela professora Leidi motivam as gerações que passam muito tempo conectadas, isoladas no mundo virtual percebam a necessidade de se importar com os outros. "As crianças e os adolescentes até ficam sabendo das notícias, enxergam, mas será que entendem? Será que conseguem enxergar a alegria, o sofrimento do outro? São ações assim fazem com que o aluno pense e tente se colocar no lugar daquele que está passando por algo. Assim conseguimos contribuir para tornar o mundo um lugar melhor", frisa. 

 

A diretora da escola, Estela Mirta Cavalheiro, não esconde a satisfação com o resultado da atividade. "Muito lindo! Fiquei emocionada e quando coisas tão boas vem das profes, dos alunos ou das famíias fazemos questão de apoiar e realizar", menciona ela, informando sobre outra ação realizada na escola, e que partiu dos alunos. "O Grêmio Estudantil teve a iniciativa de fazer uma campanha de doação de produtos de higiene e limpeza e água. Eles criaram os cartazes, divulgaram a iniciativa e os donativos já foram entregues na Acapesu, para serem encaminhados a quem precisa. É motivo de muito orgulho para a gente", enaltece. 

Nicole e Rogério participaram da atividade. Membros do Grêmio Estudantil que criam campanha de doação e a direção da escola já encaminharam donativos para a Acapesu

 

O que dizem os alunos

Quando realizou a atividade, Nicole Follmer Balbinot, de 11 anos, se deu conta de que diferente dela, as crianças atingidas pelas enchentes demorariam para poder ter acesso a algo tão simples como um chocolate. "Achei muito importante porque temos que pensar quando eles poderão comer chocolate novamente. Está tudo destruído. As famílias perderam as casas e até os empregos. Acho que a carta servirá de motivação para eles. Fiquei muito feliz em participar e percebi o quanto sou grata pelas coisas que tenho", declarou a estudante contando que escreveu duas cartas. "Em uma elas eu escrevi: 'Acalme-se, tudo vai passar, pois como dizem, a esperança é a última que morre. Aproveite (o chocolate). Na outra escrevi: 'apenas mantenha a fé em Deus'. Acho que quem receber vai ficar muito feliz", conclui. 

 

Rogério Sartori Magarinos, também de 11 anos, conta que quando escreveu a carta pediu a intercessão de Deus. "Eu pedi a ele que abençoasse a criança que estaria recebendo minha carta. Todos Juntos pelo Rio Grande do Sul somos mais fortes", diz. 

Data: 23/05/2024 - 07:24

Fonte: Mara Steffens

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