CULTURA

Atriz e modelo carazinhense é contratada pela Record para seriado no streaming

Foto Divulgação/Arquivo Pessoal

 

Maria Fernanda Vieira, 32 anos, está fazendo história no meio artístico brasileiro. Natural de Carazinho, onde ainda tem familiares e seguidamente retorna para revê-los, ela é a primeira atriz transsexual a ser contratada pelo Grupo Record. Ela já gravou participação na série “Até Onde Ela Vai”. A produção está para ir ao ar em breve, e Mafê, como é conhecida, conversou com O Correspondente.

 

Já faz cerca de 10 anos que ela deixou Carazinho. “Em sempre volto porque ainda tenho casa aí. Minha família vive aí. Às vezes demora um pouco, mas sempre volto”, diz ela que antes de deixar a terra natal se formou em Educação Física na Ulbra, trabalhou em salão de beleza na cidade e em Sarandi e em Passo Fundo, alguns até de renome.

 

A dança também sempre fez parte da vida dela. Dançou nas companhias de Maiari Fetzer e de Bianca Secco, além de vários CTG’s, sendo o último o Unidos Pela Tradição Riograndense e do Grupo Folclórico Giuseppe Garibaldi, mantido pela etnia italiana em Carazinho. “Naquela época a atuação ficou um pouco de lado. A gente precisa lutar pela vida e querendo ou não, no Rio Grande do Sul isso não é muito valorizado. Não tem muitas vertentes para poder viver de arte”, menciona ela.

 

Filha de professora e de empresário do ramo de mecânica Mafê sempre gostou da arte e sempre se envolveu com cultura. “Fiz teatro desde pequena, mas eu abandonei porque foquei na dança, entre a minha adolescência e a fase adulta”, conta.

 

Ela voltou a interagir com pessoas ligadas ao teatro quando foi representante carazinhense em uma Conferência Estadual de Cultura. “Fiquei focada no trabalho em salão de beleza e fora da arte por cinco ou seis anos. Já morando em Florianópolis, trabalhando com publicidade, eu perdia alguns trabalhos como modelo porque tinha a exigência de ser atriz. Então me questionei, porque eu havia abandonado. Fui de férias para o Rio de Janeiro, cidade que sempre sonhei em morar. Casei com um médico psiquiatra. A partir de então voltei para o teatro. Estudei cinema, teatro e me formei na área”, revela ela.

 

A partir da formação, ela passou a ter mais oportunidades. “O network que a gente vai fazendo é muito interessante porque você vai conhecendo mais pessoas e um projeto vai levando ao outro”, observa Mafê, que ainda estudou francês em Paris.

 

Antes mesmo de ser chamada para o seriado da Record, a atriz já havia participado de vários workshops na emissora e em um deles esteve com Mônica Teixeira, produtora de elenco. “Ela me disse que gostaria de me colocar em uma produção, mas não tinha como porque eu era trans, pois os trabalhos da rede aberta são focados no universo bíblico. Mas fiquei lisonjeada pelo feedback, afinal ser elogiada por uma produtora de elenco como a Mônica era algo muito importante”, recorda.

 

No início de 2024, o agente de Mafê telefonou anunciando que Mônica havia lembrado dela e que teria um papel para a atriz na produção que rodará no streaming do grupo. “Pensei que teria que ir fazer testes, mas não, ela já tinha me selecionado. Então do dia para a noite tive que ir ao Rio. Assim que cheguei, um coreógrafo amigo meu me convidou para participar do desfile das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, que era algo que sequer conhecia, mesmo já tendo morado lá um tempo. Desfilei pelo Porto da Pedra”, enaltece.

 

Até hoje nenhuma outra atriz trans havia participado de uma produção da Record. “Nem para figuração. Então o meu caso, mesmo tendo sido uma participação pequena, é muito importante. Já gravei e a primeira temporada já está encerrada. Mas tem uma ‘deixa’ para uma próxima em que minha personagem, que chama Jéssica, apareça novamente e tenha visibilidade muito maior”, aponta ela, sem dar spoiler sobre a trama.

 

Para Mafê, a sociedade ainda é preconceituosa, mas engatinha para dias melhores. “Tanto que já temos essa possibilidade, de uma atriz trans estar numa produção da segunda maior emissora de televisão do país”, salienta.

 

Mafê com a atriz Malu Mader e em algumas produções das quais participou (Arquivo Pessoal)

 

Aproveitando a repercussão desta contratação, que saiu em grandes veículos de mídia do Brasil, Mafê trabalha em um projeto próprio, também um seriado e que deve entrar em uma grande plataforma de streaming. “Estou com uma turma legal, gente grande também. Estamos escrevendo o roteiro e em seguida partiremos para a fase de captação de recursos. Vamos contar a história de uma mulher trans e duas amigas. Este que é o projeto mais interessante do momento, pois vou realmente protagonizar”, conta.

 

A relação de Mafê com a família é algo que norteia a vida dela. “Eu tenho o respeito dos meus pais, de poder mostrar para eles que vou chegar lá pela arte. Ser uma mulher trans é muito complicado. As portas não são tão abertas, tirando a parte da estética, do trabalho com a beleza, por exemplo, você não tem muitas opções. É difícil você se desvencilhar da marginalização. Já não é fácil uma pessoa CIS, da nossa cidade, despontar neste meio. Agora que tem uma menina ‘estourada’ na internet, que é a Cela. É muito legal. É válido, mas para uma mulher trans que saiu do Bairro Conceição, filha de mecânico e de uma professora, é uma vitória. É mais um degrau na minha trajetória”, salienta ela, ressaltando que está realizando um sonho de criança. “Não tive a sorte de ser descoberta de alguém. Tive que trabalhar para caramba, atravessar o país dirigindo sozinha para chegar no Rio de Janeiro”, acrescenta.

 

Mafê ainda não tem previsão de retornar a Carazinho, mas pretende se organizar para visitar a família no inverno.

Data: 26/03/2024 - 15:30

Fonte: Mara Steffens

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