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Carazinhense faz 12 mil Km de motocicleta para conhecer região amazônica

Fotos Divulgação/Arquivo Pessoal

 

Uma aventura e tanto. Foram 30 dias de viagem, percorrendo 12 mil Km pilotando uma BMW GS 1.200 e com somente com o básico na bagagem. Douglas Edoardo Müller é apaixonado por motociclismo, integra inclusive um dos motoclube mais numerosos do mundo, o Bodes do Asfalto, com mais de 12 mil membros e presente em 18 países. O advogado sempre sonhou em realizar uma viagem de moto de longa distância e em julho ele uniu o útil ao agradável. Aproveitou que o motogrupo programava evento nacional em Manaus e decidiu que era chegada a hora. 

 

Convidou um amigo passo-fundense, que imediatamente aceitou o desafio, e ambos percorreram o país durante um mês. É claro que eles não conheceram apenas Manaus, local do evento, mas aproveitaram para passar por vários locais da região norte e foram até a Venezuela. 

 

A pedido dos amigos, ele atualizava diariamente as redes sociais com informações, fotos e vídeos. Eles partiram do Rio Grande do Sul e "subiram" o Brasil por Mato Grosso, passando pela famosa Chapada dos Guimarães. Na capital, Cuiabá, um dos monumentos interessantes é o ponto geodésico, que marca a mesma distância entre os dois oceanos, o Atlántico e o Pacífico. Pela BR 364 eles foram até o Acre. 

 

Uma das partes mais desafiadoras da viagem foi passar pela BR 319, já no estado do Amazonas. A estrada é conhecida como 'Rodovia Fantasma" e liga Porto Velho a Manaus. A partir de Humaitã são quase 700Km e boa parte deles dentro da selva, de ambos os lados. Não há pavimentação na estrada e eles levaram três dias para fazer o trajeto. Müller e o amigo ficaram hospedados em pousadas localizadas em comunidades com infraestrutura bastante básica, mas suficiente para uma acomodação confortável. Além disso, neste trecho, a cada 40Km, junto a torres de comunicação há instalações rústicas que servem de abrigo em caso de emergênca. "A selva é algo impressionante. É um cenário bastante hostil. Eu diria que não é para amadores. O maior perigo são as onças", conta. 

 

Em um paradouro, Müller conversou com uma das atendentes que contou que mora há 100Km de distância, dentro da selva, em uma comunidade indígena. Ela se desloca de casa até o trabalho semanalmente, acompanhada dos filhos que vem para a comunidade estudar. A viagem demora dois dias e ela faz o trajeto de moto e armada com uma espingarda para se defender dos perígos da floresta. "Aquilo me fez refletir muito. Aqui, o extremo que nossos estudantes fazem para estudar é 15Km, talvez um pouco mais, e com transporte escolar. E no trajeto dessa mãe ainda tem um rio. Ela contou que coloca a moto em uma canoa, e faz a travessia. É a rotina deles. É só uma das tantas histórias. Me chamou a atenção o quão difícil é e mesmo com as dificuldades eles tem a persistência de buscar os objetivos, de dar o mínimo de estudo para os filhos", relata. 

 

Outro aspecto que chama atenção é a falta de pavimentação, perto da Floresta Amazônica. Com os moradores da região, Müller soube que o solo é bastante instável, poroso, e que o custo da manutenção de um asfalto é bastante caro. "É o local de maior concentração de absorção de água para o aquífero guarani", pontua. Em um trecho, os amigos encontraram uma equipe de reportagem de televisão que falava sobre as condições da estrada em um acidente que recém havia ocorrido. Um caminhão havia tomado às margens da estrada. Müller acabou entrevistado. 

 

Depois do evento dos Bodes do Asfalto, a dupla foi a Roraima. Em Pacaraima, principal portão de entrada de venezuelanos no Brasil, eles se impressionaram com as inúmeras tendas montadas para abrigar os imigrantes. Ingressando em território estrangeiro, Müller se impressionou com a estrutura da aduana venezuelana, uma estrutura moderna e que destoa da condição econômica em que os moradores daquele país vivem. 

 

A primeira cidade depois da fronteira é Santa Helena. Os turistas podem ir até lá sem precisar passar pela imigração. No posto de fiscalização do exército, no entanto, eles param e a soldado disse, em espanhol: "Bem-vindos a Venezuela, o melhor país do mundo". 

 

No estabelecimento em Santa Helena em que eles almoçaram, ouviram do comerciante as dificuldades enfrentadas pelos venezuelanos. "A situação está bem difícil. Eles enfrentam dificuldades enormes quanto a renda, poder aquisitivo. Eles não tem mais recursos", lamenta o advogado. 

 

De volta ao Brasil, eles iniciaram o percurso da volta, seguindo uma rota diferente da usada no início da viagem. Ingressaram no Pará e em Marabá entraram na BR 153, rodovia que eles usaram para chegar a Passo Fundo, pois ela corta o país, a chamada "Transbrasiliana", e vai terminar em Aceguá. Em mais de 3 mil Km, apenas dois trechos não estão asfaltados, uma parte de cerca de 40Km no norte do Paraná e o trecho entre Erechim e Passo Fundo.

 

Há uma tradição entre os motociclistas que é a conquista de comendas dos chamados "Fazedores de Chuva". É uma espécie de recordes que eles alcançam, realizando viagens para determinados pontos. Uma delas é realizar uma mesma rodovia do início ao fim. Douglas Edoardo Müller está de olho nesta marca e pretende realizar toda a BR 153. Segundo ele, dos mais de 12 mil membros do Bodes do Asfato, apenas 34 possuem comendas. Entre as mais famosas é o trajeto Ushuaia-Argentina ao Alasca. "E é curioso que existem mais pessoas com esta comenda do que com comendas dentro do Brasil, porque aqui é muito mais difícil, por conta das dificuldades de logística, da conversação das estradas, entre outras questões. 

 

A chegada em casa foi no domingo (30). Não foi a primeira vez que Müller se aventurou de moto. Já tinha ido a Machu Picchu, no Peru, e ao Ushuaia, na Argentina. "O que trouxe desta viagem é a percepção das diferenças regionais, culturais que existem. Temos alguns preconceitos e crenças de que o que fazemos é o melhor e você começa a virar um pouco a chave. O certo somos nós, que entramos no escritório às 8h, saímos às 18h, ou é aquele ribeirinho que coloca a rede para pegar o peixe e somente no outro dia se preocupa com o que vai comer, vivendo um dia após o outro. A gente vê um desapego material muito grande. É uma coisa que faz a gente repensar. Cheguei em casa e disse para a Sandra (esposa): "A gente acha que tem problema e os trata como algo importantíssimo. Problema tem aquelas pessoas que vivem uma realidade sem infraestrutura, aquela mãe que atravessa 100Km de selva com uma espingarda nas costas para trabalhar e levar os filhos estudar. Ela não se queixou em nenhum momento. Ela enfrenta isso", conclui. 

 

Além disso, a viagem serviu, na visão do advogado, para construir novas relações humanas. "As amizades que se constroem é algo fantástico. Precisamos expandir nosso convívio social, não somente no nosso meio, mas no Brasil e no mundo", finaliza. 

Data: 03/08/2023 - 13:01

Fonte: Mara Steffens

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